Seria algo impensável, para mim, vestir um fato de treino por cima do pijama e fechar-me dentro de um casaco de carapuço mas, e para não deixar de me surpreender, foi exactamente o que eu fiz. Não me apetece nada sair, mas preciso de ir a uma mercearia comprar uns quantos ingredientes para bolos e parece que há uma do outro lado da rua.

“Chove torrencialmente nas Caraíbas, no tempo em que os Homens eram aborígenes e subiam ao tronco das árvores”- disse-me tantas vezes o meu pai. Não há um dia de chuva em que não pense nisto, por dentro, como no poema de José Gomes Ferreira recitado com emoção e na minha vontade de chorar (que ainda chora) de o ouvir dizer-mo assim.

Estanco à entrada do prédio a avaliar a distância da minha corrida. (Antes estivesse nas Caraíbas, mas resta-me o pior da história). Consigo a proeza de não pôr nenhuma pata na poça, o que já é bom, mesmo tendo chegado completamente encharcada.

Não sei se sou apenas eu que me sinto lastimável, ou se são os olhos arregalados da mulher, encostada aos tabuleiros da fruta. Tudo é cru neste cenário feito de prateleiras, compridas pela falta de coisas e trémulas sem o peso delas. Para além do açúcar branco, da farinha para bolos, alguns frascos de feijão e umas quantas latas de conservas, há pacotes de bolachas que eu podia jurar que já nem existiam. Lá ao fundo, a massa de letras que a minha avó punha na canja e que eu juntava em palavras na borda do prato, arroz carolino, garrafas de água do Lidl marcadas a mais uns cêntimos e uma grade de cerveja. De frescos, restam três caixas de maçãs Golden já com as primeiras rugas, meia dúzia de pêras Rocha e uma cesta de laranjas poeirenta…

Pago algumas maçãs e uma resignada lata de ananás em calda. Ganho consciência da vida e não peço mais nada. Na cozinha, tudo se transforma.

Para cerca de 6 a 8 pessoas:

490 g de ananás (usei em calda) 300 g de maçã lavada, descascada e descaroçada

50 g de açúcar

125 g de farinha de trigo T55 4 g de fermento químico 75 g de açúcar 75 g de manteiga fria, cortada em cubos 90 ml de leite

1 ovo batido

Açúcar em pó para polvilhar

Pré-aquecer o forno a 180º C. Preparar uma taça refractária de aproximadamente cerca de 29 x 18 cm. Cortar a maçã e o ananás em pedaços, misturar com o açúcar e colocar na base da taça. Misturar a farinha, o fermento e o açúcar. Adicionar a manteiga e trabalhar com a ponta dos dedos até obter uma mistura granulosa. Juntar o leite e o ovo, misturando apenas até ligar todos os ingredientes. Colocar a massa por cima da fruta espalhando-a uniformemente. Levar ao forno durante cerca de 35 minutos ou até que a massa esteja cozida e dourada.

Retirar do forno e servir morno, polvilhado com açúcar em pó.

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